Giselle Cavalcanti Lopes SANTANA*
RESUMO
A experiência da morte é um tema negado pela maioria das pessoas, seja pelo medo, seja pela falta de compreensão. Neste artigo, buscou-se desenvolver o tema em evidência, esclarecendo-se os aspectos que envolvem a vivência do luto pelos profissionais de enfermagem dentro de uma unidade hospitalar. Objetivando clarificar e melhorar a compreensão dos leitores, e principalmente, que a partir de uma leitura objetiva, estes pudessem agregar novos conhecimentos, quebrar os tabus que envolvem a situação de morte e vivenciá-la de maneira menos traumática.
Embora faça parte do ciclo natural da vida a morte, ainda nos dias atuais, é um tema bastante polêmico, por vezes evitado e por muitos não compreendido, gerando medo e ansiedade nas pessoas. A enfermagem tem em seus ideais o compromisso com a vida. Não obstante ao que tudo isso venha a significar, tem a responsabilidade de assistir a clientela em todo o seu ciclo vital, contemplando-a holisticamente. Na medida em que se busca a melhoria das condições de saúde e o aprimoramento técnico científico da assistência de enfermagem, refletir sobre questões como a morte, bem como seus reflexos sobre as pessoas com ela envolvidas, torna-se uma necessidade. Mediante essa importância e a complexidade do tema em evidência, buscou-se demonstrar através do discurso literário a sua aplicabilidade e implicações para o profissional da saúde referente aos fatores psíquicos que surgem em situações hospitalares.
Levando-se em consideração que a situação de morte ainda desperta receios e negação no homem e que o fascínio, temor e aversão são algumas das emoções que a morte provoca no ser humano. Percebe-se que cada vez mais, as pessoas têm dificuldade em falar e vivenciar a morte, os rituais de luto estão sendo segregados às CTI’s de hospitais, organizadas de forma a tornar o contato com o morto (e a morte) o mais indolor possível.
A sociedade de consumo tenta dar à morte – ampliando o tabu que a envolve – uma nova embalagem mais acética e aceitável, procurando contornar seu impacto, amenizar seu significado, reduzir os transtornos que possa acarretar. Mas a morte e o ritual do luto que a ela se segue estão permanentemente presentes em nosso cotidiano, pois vida e morte não podem ser separadas.
Uma das primeiras psicólogas a tratar da questão do luto no Brasil e atualmente coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções Sobre o Luto da PUC/ SP e membro do Instituto Quatro Estações – Instituto de Psicologia, Maria Helena Franco Bromberg afirma, em um artigo referente ao tema, que: “Tudo o que vivemos cabe em um determinado tempo e com a morte acaba-se a possibilidade de continuarmos a existir, ao menos nessa forma que conhecemos. O homem moderno, voltado para a produção e para o consumo, valoriza o fazer e o ter mais do que o ser. E a morte elimina isso” (2004).
O avanço da ciência e o tecnicismo fizeram com que crescesse no mundo contemporâneo uma cultura de negação da morte: observando a história, percebemos que esse tabu foi se constituindo no decorrer dos últimos oito séculos e, mais aceleradamente, a partir do Renascimento e da Revolução Industrial. A morte como solenidade pública e coletiva vai se transformando na morte de alguém fechado e isolado na CTI de um hospital, “deixando” de ser responsabilidade social e passando esta às mãos do profissional de enfermagem, que muitas vezes é mal interpretado em suas ações e ainda tem que manter-se neutro diante da iminência da morte, o que acarreta em grande acúmulo de tensões e posterior danos emocionais e psicológicos para o mesmo.
Esse processo de negação da morte deixa, evidentemente, seqüelas graves na psique do chamado “homem moderno”, incluindo aí o profissional de enfermagem. Seus sintomas manifestam-se de diferentes maneiras, indo da simples negação até o pavor extremo que causa depressões, as chamadas síndromes de pânico e outros tipos de disfunções: “Um dos temores mais fortes no ser humano é o da morte, que pode ser multifacetado. Pode-se ter medo do processo de morrer, do que vem depois, do que vai acontecer com o corpo; ou ainda de morrer cedo demais, de não ter dado assistência às pessoas que precisam etc. Enfim, pode ser multidimensional. Isso pode estar muito ligado ao que chamamos corriqueiramente de síndrome de pânico. A pessoa sente essa falta de controle e vulnerabilidade”, relaciona Maria Julia Kovács (1992), coordenadora do Laboratório de Estudos Sobre a Morte do IPUSP. A referida autora completa:
Ainda citando a referida autora, toda perda grave gera um luto: A perda é uma das situações mais traumáticas da vida de um ser humano. O luto é a perda de pessoas próximas ou de situações que têm uma relação de vínculo conosco; há uma grande carga energética vinculada. É um processo de elaboração para que essa ferida sare. É muito importante a pessoa realizar que de fato a perda ocorreu.
O processo de “elaboração de um luto” segue um roteiro de fases: entorpecimento (período onde a pessoa ainda não realizou o fato); anseio e procura; desorganização; início da percepção; reorganização. “Essa divisão tradicional ajudou a entender o luto, mas atualmente se busca observar mais os ‘padrões’ de comportamento, com um enfoque no profissional, do que referências cronológicas. Trabalhamos muito mais com uma construção de significados para determinada morte, para a sua vida antes e depois daquela morte/ perda”, analisa Maria Helena Franco Bromberg (apud KOVÀKS, 1992).
As conseqüências de um luto mal elaborado manifestam-se de diversas formas. “O que mais chama a atenção não é o sentimento em si, mas a sua duração e a intensidade. É natural que as pessoas se sintam tristes ou até tenham um quadro de depressão, mas por um determinado tempo. Quando isso fica perene, então há um sinal de que a coisa não anda bem e que se tem um quadro patológico. Freud levantou a tese de que certas pessoas têm uma disposição de ‘ânimo patológico’. Dessa forma, uma situação de luto pode se tornar complicada”, comenta Maria Julia Kovács (1992). Algumas circunstâncias podem tornar mais traumático o processo de luto em casos de morte. A morte de pacientes são, para os enfermeiros e técnicos, circunstâncias que fazem supor uma possibilidade de complicação na vivência do luto.
A aversão à morte é reafirmada na mesma medida em que a ciência avança, como se sua principal meta fosse vencê-la. “Atualmente a morte é vista como evento interdito, um erro e um fracasso. Isso tem a ver com o desenvolvimento da medicina”, comenta Maria Julia Kovács(1992). Para RODRIGUES (apud, KOVÀKS,1992), “essa é uma característica de nossa sociedade que atinge também a morte. A resolução dos problemas, a descoberta da felicidade, o prolongamento da vida, a eterna juventude, a cura das doenças – tudo é incumbência da ciência. Pois durante a Idade Média, morrer era uma coisa muito comum e isso, de certa forma, banalizava a morte. Atualmente, a questão fundamental é a valorização da vida biológica. Porém, uma valorização individual, em detrimento da valorização da vida coletiva”. Consoante isso, percebe-se que o profissional que em sua formação foi direcionado a procedimentos que prolongassem a vida do paciente, e principalmente, fizesse uso da tecnologia ao seu favor, acaba sentindo-se impotente na situação da morte, chegando muitas vezes a negá-la.
A MORTE E O SEU CONTEXTO
Na Barsa (1999), encontramos, que a única certeza da vida é a morte. Na morte, manifesta-se o problema do desaparecimento do corpo físico do indivíduo e também de sua própria vida social. É o ser humano confrontando-se com a sua finitude. Percebe-se que aceitar e compreender a morte não são tarefas fáceis, principalmente quando seu trabalho é entendido como aquele que proporciona a vida, como é o caso dos profissionais de saúde.
Morte, do ponto de vista físico, é o que ocorre quando cessa a vida de um indivíduo, seja por causas naturais (senilidade), seja por motivos acidentais ou causas externas (doenças). A morte é um fato considerado cheio de mistérios, e é daí que vem o estímulo para estudá-la, para refletir como as pessoas a vêem e a aceitam. Segundo Scott (1993), à medida que as pessoas lutam com o mistério da sua morte e principalmente de seus pacientes, descobrem o significado da sua vida.
O medo da morte, segundo Scott (1993), está ligado ao narcisismo. Nada ameaça mais nosso apego narcisista a nós mesmos e a nossa auto-imagem do que a consciência da nossa destruição. Portanto, é perfeitamente natural que tenhamos medo da morte. Quanto mais deixamos a morte de lado, mais ela se aproxima. Quanto mais nos dedicarmos a diminuir nosso narcisismo, mais descobrimos que não só teremos menos medo de morrer como também teremos menos medo de viver.
Ver um paciente morrer de dor esgota os enfermeiros, mesmo aqueles que não estão participando do processo de atendimento. O apego à esperança e à fé é muito grande neste período.
Dentro de uma unidade hospitalar devemos levar em consideração a necessidade do profissional trabalhar seus sentimentos, já que eles são inerentes a qualquer ser humano. Somos seres racionais e dotados de subjetividade e, em diversas situações, o aspecto emocional prevalece ao racional. Entendemos que não há como negar nossos sentimentos nos momentos de intervenção profissional, precisamos “administrar” os sentimentos e emoções, por mais difícil que isto seja. Exemplificando, ficarmos emocionados muitas vezes perante situações presenciadas nas visitas parentais diárias aos pacientes internados. Externar nossas emoções, chorar ou indignarmo-nos só será possível em um momento posterior, distante da família e do paciente, uma vez que diante deste temos que assumir uma postura diferenciada.
Observa-se que há uma troca de experiências, há uma situação de aprendizagem constante nesta relação paciente – família – profissional, pois se percebe que cada sujeito neste contexto tem algo a contribuir para o crescimento do outro.
Assim, vê-se um círculo de ações imposto ao psicólogo hospitalar, pois para trabalhar com a morte, ele primeiramente deve trabalhar consigo a questão. Seria insuportável para o profissional que não aceita a morte, chegar à beira de um leito e presenciar a de um paciente. É algo muito complexo para todos nós, lidarmos com o fim de uma existência física, de alguém que construiu uma vida, que fez parte de uma história ou alguém ao qual tinham planos futuros de sua existência. Mesmo dispondo de todos os recursos necessários, seja físico, emocional ou psicológico, o que fica a este paciente é apenas um destino sem volta – a morte.
LIDANDO COM A MORTE
A missão tradicional do enfermeiro é aliviar o sofrimento humano; se puder curar, cura; se não puder curar, alivia; se não puder aliviar, consola. Os pensamentos ou sentimentos desencadeados nos enfermeiros, na presença da morte de um paciente, variam muito entre as diferentes pessoas, também variam muito entre diferentes momentos de uma mesma pessoa. Podem ser sentimentos confusos e dolorosos, serenos e plácidos, raivosos e rancorosos, racionais e lógicos, e assim por diante.
Enfim, são sentimentos das mais variadas tonalidades. Isso tudo pode significar que a morte, em si, pode representar algo totalmente diferente entre as diferentes pessoas, e totalmente diferente em diferentes épocas da vida de uma mesma pessoa.
De um modo geral, descontando as defesas das reflexões zen, das meditações transcendentais e de toda sorte de subterfúgios do medo e do temor do nada, a idéia da morte nos remete aos sentimentos de perda, portanto, em tese, nos desperta sentimentos dolorosos. Trata-se de uma espécie de dor psíquica, a qual muitas vezes acaba também gerando dores físicas, ou criando uma dinâmica incompreensível para quem à vida continua sorrindo.
A partir do que foi pesquisado, o tema morte está mais presente, seja o medo dela, seja à vontade de que ela aconteça casualmente ou, mais grave, sob a forma de ideação suicida. De qualquer forma, pensa-se na morte e, como não poderia deixar de ser, acompanha sentimentos dolorosos. Essa é uma dor psíquica, naturalmente movida por sentimentos de tristeza, de finitude, de medo, de abandono, de fragilidade e insegurança.
Na espécie humana a dor psíquica diante da morte pode ser considerada fisiológica, mas sua duração, intensidade e resolução vão depender, muito provavelmente, de como a pessoa experimentou a vida. Durante a fase de enfrentamento da morte, o enfermeiro é estimulado a profundas reflexões sobre a própria vida, se lhe foi satisfatória sua trajetória de vida, se houve algum desenvolvimento emocional, se pode criar vínculos afetivos fortes e permanentes, se ele pode auxiliar a outros seres humanos. Orientado psicologicamente poderá ser possível que, apesar de doloroso, esse momento possa ter um importante e saudável balanço emocional.
OS 5 ESTÁGIOS DA DOR DA MORTE
Ao tentar banir a morte do cenário da vida, ela opera um processo de medo e angústia. A reação psíquica determinada pela experiência com a morte foi descrita por Elisabeth Kubler-Ross como tendo cinco estágios:
Primeiro Estágio: Negação e Isolamento
A Negação e o Isolamento são mecanismos de defesas temporários do Ego contra a dor psíquica diante da morte. A intensidade e duração desses mecanismos de defesa dependem de como a própria pessoa que sofre e as outras pessoas ao seu redor são capazes de lidar com essa dor. Em geral, a Negação e o Isolamento não persistem por muito tempo.
Segundo Estágio: Raiva
Por causa da raiva, que surge devido à impossibilidade do Ego manter a Negação e o Isolamento, os relacionamentos se tornam problemáticos e todo o ambiente é hostilizado pela revolta de quem sabe que vai morrer. Junto com a raiva, também surgem sentimentos de revolta, inveja e ressentimento.
Nessa fase, a dor psíquica do enfrentamento da morte se manifesta por atitudes agressivas e de revolta; – porque comigo? A revolta pode assumir proporções quase paranóides; “com tanta gente ruim pra morrer porque eu, eu que sempre fiz o bem, sempre trabalhei e fui honesto”…
Transformar a dor psíquica em agressão é, mais ou menos, o que acontece em crianças com depressão. É importante, nesse estágio, haver compreensão dos demais sobre a angústia transformada em raiva na pessoa que sente interrompidas suas atividades de vida pela doença ou pela morte.
Terceiro Estágio: Barganha
Havendo deixado de lado a Negação e o Isolamento, “percebendo” que a raiva também não resolveu, a pessoa entra no terceiro estágio; a barganha. A maioria dessas barganhas é feita com Deus e, normalmente, mantidas em segredo.
Como dificilmente a pessoa tem alguma coisa a oferecer a Deus, além de sua vida, e como Este parece estar tomando-a, quer a pessoa queira ou não, as barganhas assumem mais as características de súplicas.
A pessoa implora que Deus aceite sua “oferta” em troca da vida, como por exemplo, sua promessa de uma vida dedicada à igreja, aos pobres, à caridade … Na realidade, a barganha é uma tentativa de adiamento. Nessa fase o paciente se mantém sereno, reflexivo e dócil (não se pode barganhar com Deus, ao mesmo tempo em que se hostiliza pessoas).
Quarto Estágio: Depressão
A Depressão aparece quando o paciente toma consciência de sua debilidade física, quando já não consegue negar suas condições de doente, quando as perspectivas da morte são claramente sentidas. Evidentemente, trata-se de uma atitude evolutiva; negar não adiantou, agredir e se revoltar também não, fazer barganhas não resolveu. Surge então um sentimento de grande perda. É o sofrimento e a dor psíquica de quem percebe a realidade nua e crua, como ela é realmente, é a consciência plena de que nascemos e morremos sozinhos. Aqui a depressão assume um quadro clínico mais típico e característico; desânimo, desinteresse, apatia, tristeza, choro, etc.
Quinto Estágio: Aceitação
Nesse estágio o paciente já não experimenta o desespero e nem nega sua realidade. Esse é um momento de repouso e serenidade antes da longa viagem. É claro que interessa, à psiquiatria e à medicina melhorar a qualidade da morte (como sempre tentou fazer em relação à qualidade da vida), que o paciente alcance esse estágio de aceitação em paz, com dignidade e bem estar emocional. Assim ocorrendo, o processo até a morte pôde ser experimentado em clima de serenidade por parte do paciente e, pelo lado dos que ficam, de conforto, compreensão e colaboração para com o paciente.
Ao tentar banir a morte do cenário da vida, ela opera um processo de medo e angústia. Elisabeth Kubler Ross (1977), uma psiquiatra suíço-americana, aborda em seus estudos sobre a morte nos hospitais, os cinco estágios que as pessoas atravessam com relação à morte, e que ocorrem na seguinte ordem: negação – há a negação da morte; raiva – quando se percebe que não há mais como negar a condição; barganha – revolta e outros sentimentos na expectativa de que se possa reverter; depressão – quando começa a ver realmente a condição e que não há mais o que fazer, apresentando, muitas vezes, remorso do que deixou de fazer, sentindo-se derrotado e impotente; aceitação – fisicamente sente-se mais debilitado, quer ficar só e dormir. Neste último estágio é quando o profissional absorve a idéia da morte.
O perfil e a sensibilidade afetiva de cada um, bem como o conjunto das experiências vividas, tem papel importante na lida com a morte. O fenótipo, que é a somatória dos genes da personalidade com a influência do destino sobre eles, pode tanto potencializar o medo da morte quanto ajudar a conviver melhor com a consciência da finitude.
Psicodinamicamente, o empenho do terapeuta está em desfazer, na medida exata, o culto ao ego que há dentro de cada um de nós. Esse culto ao ego é que faz com que a pessoa acredite e aceite a morte e faz o indivíduo se colocar sempre acima do todo a que pertence.
Ao não conseguir se colocar na intimidade do todo, do comum, do normal, esse ego sofre exagerada e desnecessariamente para aceitar a parte que lhe cabe. Na vida, quanto mais a pessoa pretende se destacar dos demais (independente do mérito ou demérito disso, que não vem ao caso agora), mais ela sofre com a ausência de solidariedade e com o isolamento que a morte impõe, obrigatoriamente. “As pessoas não costumam ser solidárias o suficiente para morrer juntas com as outras” (ROSS, 1977).
A POSTURA DE ATENDIMENTO DO PROFISSIONAL DE SAÚDE
Para ANGERAMI-CAMON (2002), o profissional de saúde assume diferentes posturas diante dos casos de urgência/morte, ou ainda naqueles casos que não configuram emergência. Essas posturas são denominadas como: calosidade profissional, distanciamentos críticos, empatia genuína e profissionalismo afetivo.
Calosidade profissional
É aquela postura onde o profissional da saúde, depois de anos de prática com o doente e a doença, adquire uma indiferença total para a dor do paciente, uma calosidade que o impede de ser tocado, ainda que minimamente, pelo sofrimento do paciente. Esse tipo de postura é aquela onde o paciente é tratado pelo profissional da saúde apenas como um simples sintoma num total desprezo pela sua dor.
Distanciamento crítico
É o tipo de postura inerente à prática da psicoterapia, onde se aprende no rol das técnicas psicoterápicas a necessidade de se ter um distanciamento dos problemas trazidos pelos pacientes para que não ocorra mistura entre as questões por ele mostradas e a vida pessoal e afetiva do psicoterapeuta.
O distanciamento crítico permite que o profissional da saúde, a despeito do numero de pacientes que apresentam a dor e o desespero estampados em seu seio de sofrimento, lide com seus aspectos emocionais desses pacientes de maneira lúcida, sem com isso desastabilizar-se emocionalmente. É o distanciamento crítico que permite com que ele, ainda que compreendendo a dor do paciente, mesmo assim, tenha condições de ajudá-lo, sem, com isso, ter que se escorar no próprio escombro de dor do sofrimento.
Empatia genuína
É aquela postura onde o profissional da saúde se envolve com o doente de um modo singelo sem o estabelecimento de qualquer barreira. Essa atitude é aquela que muitas vezes transcende os limites estabelecidos na relação profissional da saúde e do doente. São aqueles casos em que a doença e o doente passam a ocupar totalidade do imaginário emocional do profissional, fazendo com que esse transcenda, inclusive, os limites que possam resguardar sua privacidade pessoal.
A empatia genuína é um sentimento que necessitaria ser resgatado na prática do profissional da saúde na atualidade. Entretanto, por mais que se faça necessário na busca de humanização, é algo que não se ensina academicamente.
Profissionalismo afetivo
É um procedimento onde se adota uma postura profissional, com certo distanciamento, onde se respeita a dor do paciente. É adotado no desenvolvimento de um trabalho sistematizado sem um envolvimento emocional, que escape do controle do profissional.
Profissionalismo afetivo implica na adequação de um conjunto de procedimento onde, ocorre um afloramento da sensibilidade emocional do profissional da saúde diante da reflexão dos procedimentos a serem adotados.
A EQUIPE DE SAÚDE FRENTE ÁS SITUAÇÕES DE CRISE E EMERGÊNCIA NO HOSPITAL: ASPECTOS PSICOLÓGICOS.
Como citado anteriormente, os profissionais da área de saúde também passam pelas mesmas reações e pelo mesmo tipo de solicitação adaptativa, entretanto em condições diferentes às do paciente e da família, com outros tipos de agravantes, como, por exemplo, a intermitência de solicitações críticas, onde ações, decisões e constante pressão estão no cotidiano dessas pessoas causando a elas, um dano biopsicossocial elevado. Eis alguns desses prejuízos: privação de sono; dificuldade de concentração; depressão; aumento da irritabilidade; sentimento de auto-referência com extrema sensibilidade a críticas; déficit na memória de fixação; dependência de analgésicos e tranqüilizantes;
O estímulos emocionais nocivos aos quais o profissional de saúde está intermitentemente exposto dizem respeito: a intensa relação com as questões afetas ao processo de morte e morrer; o cotidiano de trabalho permeado por vivências ligadas à dor, sofrimento, impotência, angústia, medo, desesperança, desamparo e perdas de diversos tipos; extenuante tarefa de se relacionar e tratar de pessoas que se apresentam, poliqueixosas, refratárias à ajuda, agressivas, hostis, autodestrutivas, deprimidas, dependentes e inseguras; a atitude de lidar com a intimidade emocional e corporal do paciente; enfrentar jornadas de trabalho cada vez mais extensas e, não raro múltiplas.
Pode-se afirmar que o estresse e a alienação aos quais são submetidos os profissionais de saúde e, em particular, àqueles que se dedicam a trabalhar em unidades de emergência estão fora de seu controle; impõem-lhe inúmeros prejuízos que, por sua vez, acabam por ser repassados aos pacientes à medida que sua concentração, capacidade de decisão, limiar de irritabilidade, raciocínio, reflexos, sensibilidade encontram-se bastante comprometidos.
Diante deste fato, torna-se necessário buscar soluções que minimizem estes prejuízos com o objetivo de tornar a vida dessas pessoas mais saudáveis possíveis não só para o campo profissional como também para o pessoal. Alguns caminhos podem ser seguidos para se alcançar tal efeito.
Primeiramente, a nível de intervenção, tem-se a necessidade de voltar a sua atenção para si mesmo e, honestamente, fazer um balanço de suas vidas e das relações e interações que criam. Portanto, questões como: a qualidade de vida, o lazer, o sentimento de produtividade e crescimento, o uso do potencial criativo para busca de adaptações saudáveis estruturam esse nível de intervenção.
É preciso considerar também todas as ações que estão sendo tomadas no sentido de ampliar o espectro de informações e sensibilizações do profissional em formação para que as armadilhas conductuais e os modelos estereotipados que são passados a estes possam, gradativamente, ser mudados, humanizando, assim, a formação.
Assim vemos que a vida é o primeiro bem a que todos os seres humanos têm direito. “Todos temos direito a nascer, crescer, envelhecer e morrer” (BEYERS et.al,1995).
A morte de uma forma geral é a única certeza da vida, uma vez que se constitui no ponto crucial de sua existência. De acordo com PRADO (1995), é talvez o caráter irrevogável da morte que a reveste de mistérios, sedução, curiosidade e ansiedade, sendo uma das maiores interrogações da humanidade. Para SOUZA (1982): “a morte está ligada à vida”.
Segundo COSTA (1977), ao longo da história do homem esta questão tem despertado sentimentos diversos e inúmeras reflexões. De forma geral, no percurso de seu estudo e como a mesma tem sido tratada, a ansiedade e o medo gerados por ela levam à negação pela sociedade. MAGALHÃES et al. (1995) afirmam que hoje está mais difícil enfrentar a morte.
Para a enfermagem, vivenciar na prática e atender pacientes graves e em situação de morte iminente é um grande desafio (SANTOS, 1996). Tal fato se explica pelo compromisso que assume com a sociedade, “pois tem em seus ideais a preservação da vida” (FIGUEIREDO et al., 1995).
Para MIRANDA (1996) é provável que esta seja a questão mais difícil e delicada quando se fala da área de saúde, “pois todo o movimento do profissional dessa área é em direção ao bem estar, à saúde, à vida”. E de repente há o defrontamento com, o seu exato avesso – a perda, a finitude, a morte.
Ninguém deixa de pensar a respeito da morte. Por mais que tentemos negá-la ou mesmo evitá-la, a sua existência é um fato e dela ninguém poderá fugir. Ao pensarmos sobre ela tornamo-nos ansiosos e os valores e as crenças pessoais de cada um interferem decisivamente no comportamento adotado individualmente perante a questão.
Se por um lado a enfermagem tem através da prestação de seus cuidados a finalidade de contemplar os indivíduos com uma assistência holística em todo ciclo vital, por outro a literatura aponta que esta classe de profissionais ainda apresenta dificuldades em situações que envolvam a potencialidade, a iminência e a configuração de morte.
ELIAS (1999) afirmou que pouco se fala sobre morte porque ela é uma evidência de nosso limite, da nossa fragilidade enquanto condição humana. RIBEIRO et al. (1998) afirmam que a equipe de enfermagem sofre com tais situações, mas este sofrimento parece ser mascarado pelo cumprimento de rotinas.
O profissional de enfermagem é gente que cuida de gente, e como todo ser humano tem suas tristezas, irritações, receios, dentre outros sentimentos. Quando pensamos sobre esta problemática, supomos ser esta a primeira implicação para o enfermeiro com relação ao lidar com a sua clientela: o afastar de seus sentimentos e receios, de forma que aos isolar, minimize suas tensões para assegurar que as suas respostas individuais não prejudiquem o paciente que está sendo atendido. Tendo esta questão bem definida, é possível chegar ao doente, configurar diagnósticos, planejar sistematicamente a assistência e a partir daí, implementá-la, avaliá-la e modificá-la quando houver necessidade.
Dependendo do quadro clínico do paciente, uma das maiores preocupações e ansiedades é gerada pelo medo da morte, bem como de que a sua condição de saúde seja mais grave do que imagine. Na prestação da assistência é imprescindível informá-lo sobre tudo o que acontece, o porquê e a verdadeira razão do emprego de aparelhos e técnicas. É preciso transmitir-lhe segurança, carinho, conforto e apoio psicológico, pois o mesmo vaga em um ambiente desconhecido, num mundo de inquietação. Isto implica ao enfermeiro a capacidade de ouvir, entender, se ver no lugar do outro – o cliente, para então agir com respeito, conhecimento e eficácia. Desenvolver as habilidades de observação, avaliação e ação.
De acordo com RIBEIRO et al. (1998), “a enfermagem é geralmente a primeira a lidar e sentir a morte do paciente, já que estes se tornam dependentes de seus cuidados”.
O enfermeiro tem o dever ético de zelar pelo paciente, inclusive pelo seu corpo no pós-morte. Com relação ao gerenciamento, a idéia é reforçada com o relato de MAGALHÃES et al. (1995), que dizem ser o enfermeiro “o profissional responsável por prever e prover os recursos materiais e humanos necessários para o atendimento ao paciente que vai morrer”.
Quando ocorre morte da paciente, o seu corpo é submetido a um preparo. GONÇALVES (1997) afirma que quando isso ocorre, os profissionais de enfermagem tamponam, lavam o corpo, esparadrapam, identificam, cobrem, enrolam-no considerando tais atividades como uma rotina de serviço. A literatura aponta o preparo do corpo como uma mescla de um ritual com seguimento de uma rotina e rigor técnico, consensualizando a idéia de que este preparo segue a rotina estabelecida normalmente em função da cultura social e que esta atividade é realizada em sua totalidade pela equipe de enfermagem.
Sob esta ótica, pode-se compreender com exatidão a importância destes profissionais nesta fase da existência humana através de SANTOS (1996), ao afirmar consubstancialmente que a morte não é um acontecimento meramente biológico e sim um fenômeno social. Entender este fenômeno dentro desta perspectiva e espacialidade incute ao profissional de enfermagem, e em especial ao enfermeiro, o dever de compreendê-lo num sentido mais amplo, onde sua prática seja um reflexo de seu entendimento através de uma abordagem ética, psicológica, filosófica, histórica, religiosa, cultural e jurídica sobre o que se faz e seus resultados sobre os receptores deste fazer.
ASSISTÊNCIA PSICOLÓGICA À EQUIPE DE SAÚDE
Visando um trabalho multidisciplinar, em que a paciente deve ser vista globalmente, em seu momento histórico, dentro de um enfoque biopsicossosial, cabe ao psicólogo ser um agente facilitador nas relações entre a equipe de saúde, paciente e ente/família.
Os objetivos do psicólogo no trabalho com a equipe envolvem orientação quanto aos fatores de riscos psicológicos presentes no contexto, facilitando as inter-relações; planejar estratégias terapêuticas conjuntas, para melhor atingir os objetivos de assistência às pacientes e oferecer suporte psicológico aos membros da equipe quando estes necessitarem. A melhor compreensão dos sentimentos e pensamentos da equipe pode vir a influenciar positivamente na sua relação com as pacientes ou com outros membros do próprio grupo de trabalho.
Essas “conversas” com a equipe geralmente ocorrem sem data e horário prévios, sendo que acontecem mediante a necessidade de qualquer membro da equipe. Dentro de uma enfermaria de obstetrícia sempre há uma sala para reunião de equipe, espaço esse que muitas vezes é utilizado para realizar as anotações nos prontuários das pacientes, sendo um ótimo momento para troca de informações.
Além da sobrecarga vivida pelos profissionais de saúde no Brasil, faz-se necessário considerar o fato de que os mesmos estão expostos às ameaças que a situação de crise os impõe, pois não só o paciente e a família são vulneráveis à crise, mas os profissionais envolvidos também. É preciso ter em mente que por trás de cada profissional da equipe de saúde há um ser humano que também sente dor, que sofre assim como as outras partes envolvidas. Ambas ficam co-relacionadas a partir da crise instalada.
Mediante isso, equilíbrio emocional e uma boa interação na equipe são necessários para dar um atendimento adequado aos demais envolvidos até que os mesmos possam se reestruturar diante da fase crítica.
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